segunda-feira, 21 de junho de 2010

A bola e a literatura...

Em 2004, Portugal, como país anfitrião do campeonato europeu de futebol e como povo que vivia o sonho de vencer finalmente a prova - estávamos já apurados para a final - chorou timidamente a morte, a 2 de Julho, de um dos nomes maiores da sua literatura. O país de poetas, de idioma "doce e agradável" (Miguel de Cervantes) e a que Olavo Bilac - o poeta brasileiro, não o vocalista português - chamou "a última flor do Lácio", ignorou quase que por completo, na euforia da bola, a morte de Sophia de Mello Breyner Andersen. De resto, Sophia foi a enterrar em pleno dia da final, havia a vingança aos gregos a ocupar a cabeça, não se podia pensar em nada mais, nem a televisão poderia cobrir com maior acuidade a cerimónia, afinal o dia era de alegria, Portugal estava na final do europeu, o dia deveria passar-se com excessos e sensacionalistas reportagens em volta do almoço dos jogadores e comitiva da selecção; quantos feijões comeram Figo e companhia limitada, será que Ronaldo, na altura jovem estrela em ascensão ao estatuto de vedeta, espirrou ao acordar?

E a poeta lá foi assim, tímida e carinhosamente, na companhia daqueles que de facto se importavam suficientemente com ela, a enterrar. À sua volta as bandeiras esvoaçavam imponentes, os galhardetes dependuravam nos carros, os cachecóis orgulhosamente enrolados em torno de cabeças, pescoços e cinturas. O país estava em festa, o que é a morte de um poeta? (Claro está sem descurar a restante obra da autora.)

Nós portugueses somos assim, não queremos sequer mudar; amanhã, hoje há bola!

Passaram quase seis anos, faltavam cerca de duas semanas pois se cumprisse aquele aniversário, e foi Saramago quem nos deixou, em meio do campeonato do mundo de futebol. Não reúne o romancista, prémio Nobel da literatura, o mesmo consenso junto da população, amado por uns, odiado por talvez muitos outros, mas, indubitavelmente, um nome grande da literatura nacional. E desta vez, a febre do futebol não abafou nos seus calores o funeral do escritor, as pessoas saíram à rua e mostraram a sua empatia e simpatia para com o autor. Portugal não jogava, nesse dia, a bola não assumia prioridade.

Não, a selecção portuguesa não jogou Domingo, jogou hoje, Segunda-Feira, e quem sabe abençoado per Saramago - que por divergências ideológicas abandonou o PCP - aplicou uma grande goleada à selecção da Coreia do Norte. Vicissitude a que não deixo de encontrar bastante piada. Vão chover reedições e inéditos e todos hão-de falar de Saramago durante a época estival e muitos hão-de ler Saramago na praia. Até que, como 2004 seja o ano do europeu de Portugal, 2006 seja o ano do mundial da África do Sul, não "O ano da morte de José Saramago".

Mas não queria acabar, sem primeiro comentar a atitude do Vaticano que, logo após a sua morte, em toda a santidade daquele pequeno estado, "abençoou" a alma do português, com um claro sinal de esperança de que este possa encontrar na morte a paz que em vida não encontrou com o "criador", publicando na sua gazeta um dos artigos mais ofensivos à pessoa do escritor. Falam eles com toda a lata em perdão, penitência e dar a outra face... Talvez devessem rever nas suas palavras as críticas que o escritor apontou à sua igreja e quem sabe comprar uns espelhos lá para o palácio... e já agora, para terminar, talvez não devessem atirar tantas pedras, porque com os escândalos mais recentes, pergunto-me como andará o telhado...

5 comentários:

Anónimo disse...

Como pode "um" pecado cair no esquecimento?!

Koky disse...

O Pecado não está esquecido, sentiu-se triste e carente e foi de férias, lamuriar-se em banhos de sol e cerveja gelada. Agora espera pelo fim dessas suas férias para regressar ao seu cantinho, o Estio deixa O Pecado pensativo e fá-lo sentir vontade de estar onde haja quem o veja. Para estar na sombra e no esquecimento, restam-lhe os outros nove meses.

Não, O Pecado não está esquecido, estava apenas aborrecido, entediado de não ver vivalma, nem ter companheiros e foi curtir a época em que até os políticos fazem na praia sem pudor o que fazem todo o ano na assembleia e no governo.

Anónimo disse...

Aguardo ansiosa o regresso =)*

deep disse...

... e o regresso é para quando? :)

Koky disse...

O Pecado regressa com a próxima estação. ;)