sexta-feira, 11 de maio de 2012

Paraíso (de corrupção) à beira-mar estagnado

“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!”

Eça de Queirós, As Farpas, 1871 

Em Portugal, compadrio e política existem, vivem e sobrevivem em uníssono. São duas das três partes de uma trindade que nos afunda nesta dura realidade a que chamam/chamamos crise. Tem de resto assim sido chamada desde há muito - dir-se-ia, desde sempre! Nós portugueses quase a trazemos no sangue. E aquelas duas (compadrio e política), em conjunto com a corrupção, são sinónimo da nossa realidade. Quase roçando o datismo. Numa saudosista realidade de marasmo e comodismo ao pecado (do) capital.

"...Nós estamos num estado comparável, somente, à grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito.
Nos livros estrangeiros, poderá.. vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal..."

Eça de Queirós, As Farpas, 1872

Novamente, Eça, n'As Farpas, desta feita em 1872 - qual Bandarra, nas suas crónicas, "anunciando" o sebastianismo - descreve uma actualidade, quase literal, da apatia portuguesa que se prolonga desde há séculos. Nos brandos costumes, desculpamos o desmazelo pelo estado do Estado; no Fado lamuriamos o estado do Estado; no deixa andar e no desenrascanço, solucionamos o estado do Estado; Porém, o estado do Estado, implica o nosso estado enquanto sociedade e nação.

Todos os anos se celebra o 25 de Abril de 1974 e, no entanto, já passaram 38 novos anos, 38 novos 25 de Abril, que passaram incógnitos, sombreados por uma data ida, donde miraculosamente se espera que surja uma solução "sebastianica" que nos projecte para o desígnio, o V Império(?).

Indignou-me, há anos, ouvir no noticiário uma pessoa que questionada sobre qual a sua inclinação de voto, retorquiu: "Ah! Eu não vou votar. Não sou dessas coisas..." E, a verdade é que aquele é o reflexo da nossa sociedade, não somos dessas cousas; falamos no café, indignados, estrebuchamos, regougamos, o punho cerrado sobre a mesa; e no fim, conversamos sobre a telenovela, o futebol, a mexeriquice e a "pintelhice". Enrascados, juntamo-nos numa geração à rasca, que saiu à rua e levantou a voz, para depois de calar ao marasmo. Devíamos inspirar-nos nos islandeses, e orgulhar os nossos egrégios avós.

Somos de facto uns indignados mas, só sabemos falar disso, fazer, não fazemos nada. Para quê? Compramos tudo feito, a crédito. :p